Vejo
em “Tratado dos Anjos Afogados”, do
poeta Marcelo Ariel, uma continuidade do livro anterior “Me Enterrem com Minha AR-15” . Neles, há a preocupação com temas de natureza
filosófica, porém, sem a intenção de eleger idéias estruturadas, de conclusões racionalistas.
Suas indagações estão permeadas de mistério. Que bom que assim seja, pois, do
contrário não exalaria poesia da melhor cepa.
Neles, percebo também preocupações de natureza social, onde é impossível
não enxergar “os anjos afogados”, que, a meu ver, além das crianças
vitimadas pelo sistema, somos todos nós, vítimas do desenvolvimento econômico
sem limites.
Gostaria
de ressaltar, dentre os poemas de Ariel, o caleidoscópico “Cadenza dos Comandos”, que está presente em seus dois livros. Vejo
na carta transcrita ali a ressonância do pensamento do poeta, expresso em quase
todos os seus poemas, desde que se desconte as defesas da via das armas como
resposta à opressão dos poderosos. Corrija-se: as armas de Ariel são de cunho
estético e penetra angustiadamente fundo, buscando enfrentar a recusa, a
nadificação dos excluídos pelo trator do capital, tipificado na capa por duas
chaminés expelindo fumaça, símbolo do crime ambiental realizado em Cubatão,
desde meados da década de 50, com o início da industrialização.
Reitere-se
que Marcelo, em sua obra, preocupa-se sobremaneira com as crianças, vítimas
indefesas do poder anencéfalo. Talvez se possa ver nisso um anseio de pureza,
que sabe impossível, pois, como diz em determinado poema “deus é um recém-nascido com duas
facas no lugar dos braços”. E
como disse em “Beckett-Celular”,
criticando irônica e cinicamente a febre tecnológica dos novos produtos:“Vida
Guerra atirou o recém-nascido do quarto andar e antes que aquele boneco do
Farnese chegasse ao chão ele explodiu e de dentro do recém-nascido saíram
vários celulares com MP3 e câmera digital...” Por Ariel ser um grande
poeta, quase enxergamos nessas palavras uma certa profecia sádica, porém, se há
sadismo ele está na cabeça inexistente do opressor político/econômico,
cadenciando seu jogo cômico e bruto sobre nós.
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