quinta-feira, 25 de julho de 2013

JOSETE E JOSÉ

    


   A loja é pequena, mas jeitosa. Paredes em tom azul-claro. Tudo muito limpo e organizado. Ela, a esposa, é a mais organizada dos dois. Adora coordenar e organizar a contabilidade. Ele, o marido, gosta preferencialmente de atender as pessoas. É um piadista incorrigível, fazendo uso dessa sua habilidade junto aos clientes.
     Caro leitor, não sei se lhe falo por que…decidi: vou falar. A história é inusitada, como toda história real. Se bem que, hoje em dia, o real é que surpreende. Como aquele caso que esteve em todos os jornais da semana passada.
     Lembra? Um casamento que houve inusitado. Ele se tornou ...Entra naquele site, o vírgula.uol que você vai saber em detalhes. O título da matéria vai tar assim, ó: “Após nascer com sexo trocado, casal transgênero se apaixona em terapia”. E lembra aquele outro caso? Do cara que tinha duas mulheres cadelas, pagou faculdade pra elas e elas não…Não, espera lá. Você não tá entendendo, é isso? Tou indo muito rápido? Então, entra na internet e depois a gente conversa. Vê lá vocabulário de sadomasoquismo. Vai na wikipédia direto. Não posso falar sobre o caso assim, sem que você leia alguma coisa antes. Ao menos, contacte a superfície do assunto.
     Voltemos à comerciante e seu marido. Falemos primeiro de José, um nome simples, né? Sem parangolés. Não é como Anaximenes ou Asclépio Usurpino. É José. Assim só. Quase um sussurro a dois tempos. Um pra cada sílaba: JO-SÉ. José, filho de Dona Guiomar. Esta foi uma excelente doceira, tendo falecido quando ele tinha vinte e sete anos.
     Guiomar morrera feliz, olhando suas roseiras à janela. Fora caindo pra trás, num lance quase cinematográfico. Quando a cabeça bateu no chão, sua alma saltou pra fora. A alma olhou o corpo desconfiada. Pensou em pegar uma pá pra recolher os restos. Durou um instantinho isso pois uma mercedes de luz dourada a sugou. Diz-que o motorista tinha pele de rubi. Verdade? Não sei. Só sei que tá na boca do povo. O fato é que ela gostava de mercedes e de rubis. Não teve nenhum dos dois em vida.
     José era apaixonado, apaixonadíssimo, pela homossexual Josete. Se conheceram quando sentaram ambos naquele banco de praça do Largo do Sapo. Olharam-se e já sentiram os corações acelerarem. Ela ficou confusa. Sempre gostara de mulheres. Ele ainda não sabia dessa peculiaridade. Vestia-se ela como uma mulher comum. Um pouco até como adolescente. Suas pernas à mostra ainda eram convidativas apesar de uma mancha aqui e ali. E, de idade,  ela devia beirar os quarenta e cinco.
     Tiveram um encontro no outro dia. Dia que foi marcante, pois José presenteara Josete com uma sacola de chocolates. E depois muitos outros encontros houve. Daria, de modo matemático, para somar os encontros e tirar como resultado um só ENCONTRÃO, na sucessão dos meses.
     Quando estavam já num estágio maduro da relação, ela lhe contou sua vida. Falou das ex-esposas, ex-namoradas, ex-paqueras, de um ex-namorado, única exceção masculina no leque de suas ligações. Brigaram tempos depois. Resolveram dar um tempo na relação. Ele tentara aceitar as lembranças dela, porém, já estava cansado de a toda hora ela relatar sobre seus amores do passado. Não parava de recordar.
     José entristeceu. Seria ela um amor impossível? Como iria conviver com uma mulher que poderia trocá-lo por outra? Ele fora educado no extremo código conservador do cristianismo mais ferrenho. Fora o mais denodado defensor da cura gay nos tempos do Felicianuretto, um italiano ex-gay que odiava gays e que fizera polvorosa nas igrejas novíssimas há três anos.
Coitado de José. Seu coração era agora um vulcão em erupção, vertendo uma lava de emoções inauditas.
     Josete ficou arrasada. Um homem aparecera para revolucionar suas concepções. Tentara, antes de conhecer José, se envolver com uma garota que frequentava todos os dias o bar do Otanias, conhecido por todos daquele bairro como Otan. Uma dançarina de nome Karen, que odiava o nome Karen. Gostava de ser chamada de Skar Got.
     Karen era feminina, mas, se sentia um homem. Gostava de fazer delirar carnes fêmeas, regando-as a muito carinho, descontando o que seu pai não fez com sua mãe. Karen era uma mulher na carne, mas não se sentia tal no espírito. José, antes de conhecer Josete, achava as relações homossexuais uma aberração. Onde já se viu? Isso vai contra a Bíblia, Deus.
     Ah, os pais de Karen eram de uma igreja evangélica, uma tal de Bolinhos de Chuva de Deus, uma entidade bem ortodoxa.
     Uma vez, Josete, para disfarçar o amor que curtia pela dançarina, seduzira Rogério, um professor quase cego, que assim ficara devido a um jato de cola poderosa que lhe atingira o olho direito.
     Rogério, o homem seduzido, morava do outro lado da cidade. Era casado com uma mulher que, por sua vez, ainda não tinha rompido os elos com o ex-marido, ao qual sempre visitava na prisão, sem Rogério saber.
     Possuía uma grande coleção de pássaros engaiolados. Demonstrava enorme sensibilidade com os mesmos. Principalmente quando os via presos em suas pequenas jaulas. Tinha um prazer quase mórbido nisso.
     Josete só se atrevera a dar-lhe uns beijinhos. Era o suficiente para o professor? Não, ele tinha de esperança de avançar mais e mais.
     Gozo mesmo Josete tinha ao deitar com Karen. Ali, havia um cuidado e um carinho que Josete nunca gozara em suas relações anteriores. Bem, ela foi pegando nojo de Rogério. Um nojo incontrolável. Dispensou-o. Sem tato, porém.
     Karen conseguira um emprego em São Paulo com uma ex. E Josete não precisava disfarçar mais nada, nem mesmo sua dor de corno. Voltou a mostrar suas reais preferências vulvânicas.
Não teve remorso do que fez com o homem. Todo homem para ela merecia punição. Como seu tio, que a pegara muitas vezes no colo, de forma não muito inocente.
     Rogério arrasado estava no bar do Otan tomando uma, quando lembrou de um comentário de Josete, sobre ter chorado quando o tio furou os olhos de um canário com um alfinete. Será que choraria ela por ele? Comprou uma cola daquelas de colar aço e aplicou no olho bom. Não fez muito barulho. Só enviou uma carta a Josete falando que fazia aquilo por ela, imaginando-a em prantos, mas ela nem aí para a dor dele.
     O grande problema se estabeleceu quando apareceu José. Fodeu tudo. Ficou Josete mais sensível ao sofrimento dos homens apaixonados? Por que não fazia tal como fez com Rogério? José plantara uma erva de amor em suas veias? E como esse tempo que deram a torturava!
     Um dia, estava ela, intranquila, a fumar um cigarro, nas imediações do bar do Naldo, fronteiro ao bar do Otan, e notou José a cambalear ao lado de um de seus grandes amigos de infância, o Sombra. José também a vira. Foi só se enxergarem numa quase-fusão de faces, pra se atirarem um nos braços do outro. Se deu assim: os olhares se encontraram. Tentaram ficar de costas, no entretanto, de súbito, se voltaram, ficaram frente a frente, imaginaram o diretor, técnicos, cabos-man, câmeras, gruas, talvez uma música de fundo, aquela de Ghost. Perdoe o gosto deste escritor, que não é cult.
     Correram aos braços um do outro, então, em câmera lenta.
     - Eu te amanheço. – Esta a maneira de dizer te amo dele pra Josete. Um código que estabeleceram para substituir a palavra amor, tão vulgarizada. Ela lhe disse em resposta:
     - Eu me anoiteço sem ti. - O Sombra, que não gostava de nada melado, saiu de banda, enquanto os dois passarinhos entrelaçavam os biquinhos. José disse a Josete que estava disposto a fazer tudo por ela. Que ela o aguardasse. Ele sumiria por dois anos. Mas estaria fazendo o melhor pelo futuro de ambos. Josete concordou e ficou na expectativa.
Dois anos era tanto tempo, pensava ela. Mas também não era nada. Ou por outra, poderia se livrar dessa dependência que sentia em relação a ele.
     Josete tentou se ligar a outras pessoas, particularmente, mulheres. Mas dentro dela um grande transatlântico de amor já fundeara.
     Um dia, no bar do Otan, estava ela a tomar uma cerveja. Olhava as meninas ainda com olhar de tesão. Porém, sentia uma lealdade com José que a impedia de levar avante seus desejos.
     Na porta, alguém lhe mirava com volúpia. Uma mulher morena, chique, bem maquiada. Parecia até uma dama da alta sociedade. Josete não percebeu esse assédio.
A “chique” se aproximou:
- Oi, você é daqui?
- Sou.
- Me pediram pra entregar isso pra ti.
Josete olhou para as mãos da outra e pegou a sacola que lhe estendia. Era uma sacola com chocolate suficiente pra todo o mês. Quem terá pedido pra entregar-lhe? Teria sido….Será?
- Foi o José que mandou? Onde ele está?
- Foi sim. Ele está aqui.
- Aqui. Onde? Me diga logo.
- Sou eu, minha manhã de sol.
- Você?
- Sim, troquei de sexo por ti. Tomei hormônios. Sou agora a mulher com a qual você sempre sonhou. E minha voz? Gosta?
- Não? Não creio.
- Sim. Pode crer, minha bela. Meu nome agora é Guiomar.
- Guiomar, que nome bonito…Me beija logo.
Ambos se beijaram febrilmente, dava pra se ver os fogos explodindo na alma dos dois.
     Josete, pra não ficar em desvantagem, tratou de providenciar a sua masculinização. Ganhara pelos, cortara os cabelos. Só não conseguiu trocar de sexo. Nem abandonar os vestidinhos. Nem o hábito de comprar sapatos de salto alto. Deixaria pro outro ano a mudança de sexo. Por enquanto, Jos…., digo, Guiomar, ia ter de se contentar com carinhos, dedinhos e consolos.
     Ambos, no intuito de aumentar a renda, abriram um sex-shop. Um negócio bem promissor nos dias que correm.
Lá vem Guiomar. Ela, ou seja, ele, entra, ajeitando vestidinho e brincos, falando em minha direção:
- O que o senhor deseja? Temos acessórios de todos os tipos. Veja essa bocetinha de vinil, essas bonecas, e este joãozinho rosado que chegou da Holanda….


quarta-feira, 10 de julho de 2013

LÚCIO E SEU PRECIPÍCIO

Lúcio viera de uma família simples: sua mãe era servente na Prefeitura Municipal de Precipício, e seu pai era vigilante da mesma, em vias de se aposentar.

Desde pequeno, Lúcio era paparicado em demasia pelos colegas de bar de Valdemar, seu pai.

Como o pai era muito benquisto, pois, sempre pagava todas, o filho herdou os salamaleques que prestavam ao seu progenitor.

Quando fez oito anos, os amigos do pai lhe arranjaram uma mulher. 


O nome dela era Cremilda, prostituta experiente, puta consumada, mercadora de corpo das antigas.



Foram aos fundos do bar, ela arrastando ele pelas mãos. Ele quase chorando. Choraria sem medo não temesse os espancamentos do pai.
O pai fora preso várias vezes por gostar de mexer com as mulheres da vizinhança. 

Ficava na janela, altas horas da noite, mostrando sua genitália e fazendo psiu.
Um dia, Dona Gostácia, desgostosa com essa pouca vergonha, deu parte na Delegacia da Mulher.
Valdemar apanhou tanto, mas tanto, que, a partir daí, passou a desviar de Dona Gostácia sempre que a via na rua.
Ele passara a frequentar ritos sombrios onde enfiava alfinetes em um bonequinho que representava Dona Desgostácia, como ele passara a chamá-la. 

O estranho era Dona Gostácia, em vez de sentir pinicadas em seu corpo, desenvolver suas partes a olhos vistos. 

Suas protuberâncias ficaram mais relevantes, particularmente, seios e nádegas. 

Até com Valdemar passara a ser mais tolerante e convidativa.
Valdemar ficou atarantado. Não tinha jeito com agulhas. Afinal não era perobo, dizia.
Bem, voltemos ao filho. Quando Cremilda o deitou, ele não soube o que fazer. Ela pegou-o no colo então e começou a cantar uma canção de ninar. E não é que Lúcio dormiu.

Até pouco tempo, lhe chateavam com essa história, os amigos e inimigos dando boas risadas e acrescentando cada qual um ponto.

Seus pais se converteram à Igreja da Revelação Irrevelável há seis meses. Desde então, era um freqüentador assíduo desse templo. Virou um cheirador da palavra.

Com dois meses de culto, já conhecia todos. E, sendo muito ambicioso e tendo pouco amor ao trabalho, casou-se com Ester, a filha mais velha do pastor Jozebebel, o que lhe garantiu status e satisfez o pastor que já não sabia o que fazer pra tirar sua filha da solidão de caritó.

Naquele dia, Lúcio ia pregar. Colocou-se de modo empertigado no púlpito e, de maneira séria, compenetrada, começou a desfiar suas lições:

- A maneira recomendada divinamente de se relacionar sexualmente, segundo a cartilha, é a seguinte: o homem e a mulher devem lavar suas partes com um litro de água corrente misturado com uma colher de vinagre e outra de sal grosso. 


Após isso, a mulher deve abrir as pernas e esperar o membro enrijecido do seu parceiro para iniciar a penetração. Depois do ato sexual os dois devem orar, pedindo perdão pelo prazer proibido do orgasmo. Como penitência o açoite com vara de bambu é aceito em forma de purificação.

Ao finalzinho da palestra, adentra a sala Pureza Aparecida de Súbito. De vinte e poucos anos. Filha de Sônia Bocão com pai ignorado.

Ao que se comentava, sua mãe não queria saber dela. Até tentara prostituí-la com um amásio, dono da maioria dos puteiros daquela região. 


Esse só não aceitou por achá-la sem sal. Ele teria que ensinar muita coisa da arte sem-vergonhice. Ia dar muito trabalho.

Pureza fugira de sua mãe e fora morar com uma tia solteirona que, aliás, não cuidava muito bem da filha de criação. Não orientava, nem vigiava. E dentro desse ambiente largado Pureza foi crescendo a olhos vistos

Tornou-se uma moça de beleza extrema. Era um sol ofuscante para os olhos masculinos de homens, lésbicas e bi. Só tinha um leve defeito: era estrábica. Mas isso era um mero detalhe que não estragava a escultura do seu todo corpóreo.

Em sua vida atribulada, Pureza experimentara de tudo um pouco, dando especial realce a alguns pecados capitais. Particularmente, à Luxúria (com uma grande parte de vaidade) e à Preguiça (com uma alta dose de ambição).

Morava perto de uma dessas igrejas de esquina, a Igreja, aquela lá ó, esqueci o nome.

Ela observava de sua janela, que tinha uma localização privilegiada, os carros luxuosos que estacionavam perto, principalmente, quando havia cultos grandiosos.

Chamara sua atenção o carro de Lúcio, um dos últimos lançamentos da indústria automobilística, que a seus olhos desconhecedores provocava contrações de vibrações "metaleróticas".

Pureza, esperta como ela só, tratou de se aproximar da Igreja logo que se mudara.

Com muita habilidade e lentidão, seduzira Lúcio. Começaram a se encontrar às escondidas. Depois, continuaram o mistério, para dar maior sabor e não ofender a dignidade de Lúcio, defensor que era na igreja da moral e bons costumes.

Quando Pureza chegou à palestra, naquele dia, Lúcio até gaguejou em seu discurso, mas, rapidamente, se recompôs:
- Segundo a cartilha do Nosso Santíssimo Padre Belasartes, de Nossa Venerável e Santa Igreja da Revelação Irrevelável, os três modos condenáveis de se fazer sexo são:

1-Posição de Quatro:
É uma das posições mais humilhantes para a mulher, então o homem que faz o cachorrinho com sua parceira fica com sua alma amaldiçoada e fétida.

2-Sexo Oral:
O prazer de levar um órgão sexual à boca é condenado pelas leis divinas. E o homem sentirá dores musculares na língua ao sugar a vagina de sua parceira.

3-Sexo Anal:
O ânus é sujo, fétido e possui em suas paredes milhões de bactérias. É o esgoto propriamente dito. No esgoto só existem ratos, baratas e Mendigos.

Os olhos dos homens presentes torceram na direção de Pureza, tendo em seus pensamentos a imagem da moça de quatro atiçando-os oral e analmente. Os olhos viraram a um só tempo, numa mesma sincronia, mal ela entrou.



Incontinenti, as mulheres que os acompanhavam acionaram beliscões de intensidade máxima, acionando o controle remoto de seus ciúmes explícitos e implícitos por seus companheiros.

Depois de dar a palestra, com o rosto imperturbável de honestidade e pureza de princípios, Lúcio faz um sinal para Pureza. 


Ela estava com um vestido comprido, mas, como não derrapar a dignidade ante sua fartura "bundipígia" e eloqüência de quadris, ressaltadas ainda mais pelo vestido colado embora longo.

Lúcio já a imaginava sem calcinhas no Motel Cantagalo, com água e sal grosso, cachoeirando nas curvas do corpanzil de purezinha, cujas curvas acentuavam a tentação do luar e o brilho da noite nas mesas dos bares.