sexta-feira, 17 de outubro de 2014

FANTASVIRTUS



    Quando surgira naquele PC, não se sabe. Dizem que um programador esperto a criou para devorar vírus e afins.
    Com o tempo ela foi criando vida própria. Conseguia até sair da tela e aparecer por minutos no mundo real.
    Ela era uma fantasma bug/uesa, pixel/enta, típica entidade de PC com placa-mãe viciada, que não tinha medo dessa instabilidade, mas não sabia porque. Como adquirira esse bug, só ela sabia. Em que berço nascera? Só ela não sabia. Como e onde? Não sabia nem do programador. Do qual falavam muito. Achava que essa lenda era uma mentira para pacificar o povo da área de trabalho. Não tivera vida anterior? Em verdade, se sentia como uma entidade superior ao começo das coisas.
    Fora criada com um ícone infantil ao colo. Dizem que o programador quis somente brincar. E colocou essa criança como marca aleatória. Uma criança com rosto de granada.
    Ficara estremecida desde que aquele exorcista visitara o computador e benzera as memórias, atendendo aos vivos que o compraram. Vivos no sentido de espertos. Queriam revender pelo triplo do que valia, após o benzimento.
    Um motivo pra que ela os matasse. Como os mataria? Sairia da tela, hipnotizaria os mesmos e devoraria suas almas virulentas. O fato é que não conseguiu. Se apaixonou pelo mais moço. Quando apareceu fora do PC, não se assustaram. Resolveu hipnotizá-los e convenceu-os a saírem daquela casa e não voltarem mais. Ou seja, ao mais moço pediu que viesse de vez em quando.
    Pelo menos a casa ganhara mais momentos de silêncio. Procurou mostrar que era piedosa registrando a inevitabilidade de seu ato numa pasta chamada diário, no cantinho esquerdo da área de trabalho. Mas não cai nessa. Eu hein. Sou mouse das antigas.
    Um castigo : sua imagem apagava agora de dois em dois minutos. Teria de conviver com isso.
    O seu inferno se tornou maior também pelo surgimento de vírus traquinas, que chiavam continuamente, escondidos no sistema. Ah, sim. O moço morrera, debaixo de pilhas de placas-mãe num armazém de restos de computadores. Em lembrança dele, de tempos em tempos, ela transformava-se num descanso de tela, gerando explosões de fogos de artifício em todos os cantos.
    O que não tem remédio....BIIIIIIIIIIPPPPPPPP !!!! Esses traquinas também me irritam. Ainda bem que sou sem fio.

FLUTUANTE


...Quando quebrei o espelho, libertei as mil imagens.
Mas tive de rapidamente assimilá-las. 
Entendeu a razão de meus mil quilos?....
- Viu, seo Delega, o Cacaso falou-me assim objetivamente do teto, onde parara feito uma bexiga de aniversário, e queria que eu o rasgasse. Ele sabia da minha útil motosserra a gasolina 40 cc sabre de 16 polegadas.
Risquei longitudinalmente seu ventre com cocô de cachorro, do meu cachorro, o Pincel, pois, era somente o que estava à mão.
Antes de fazer o corte, pensei na fragilidade do Cacaso na minha mão, vieram-me à mente as fofocas que Cacaso fazia a respeito de todo mundo. Ele já me prejudicara bastante. Creio que havia uma semente invejosa no seu ser. Uma semente gigante.
Era uma maneira dele conseguir o amor de determinadas pessoas só para si. Fofocava mas era por amor. Isso. A consciência falava-me deste modo, mas, não inteiramente convencida. Sentia ela morder os dentes. E consciência trincando os dentes na cabeça dá uma dor.
Então, seu delega eu fiz o que tinha de ser feito. Não usei a motosserra. Apenas empurrei-o pela janela e ele, gritando, foi flutuando em direção à São Pedro.




NÃO DEU TEMPO


Cheguei em casa depois do trabalho.
Tranquei e abri.
E areei bem o fundo espelhado da panela.
Aquela que fora presenteada por uma ex....ou atual?
Estava desanimado mas...de uma hora pra outra passou.
Esqueci-me que trancara a casa e abrira o gás.
Tarde pra voltar atrás. Eu queria uma pizza. Não deu tempo.
Zás.

A VINGANÇA DA BARULHENTA


Foi nesta casa mesmo. Ela era um espírito barulhento por demais. Me aconselharam que fosse até ela.
Achei-a. Quando lhe pedi silêncio, ela me puxou para baixo da casa, onde morrera há cerca de vinte anos, na época em que meu avô abusara de sua virgindade e a matara. 
Então, me tornou um fantasma da mesma categoria que a dela. Já buscava quem a substituísse ali.
Me esperava? Não sei. Hoje, ela pode curtir mais a morte, sem estar ligada a uma casa só. Eu faço o que ela fazia. Ligado eternamente a estas salas, até encontrar alg.....Mas meus barulhos são hipercriativos, inimagináveis. Quer ouvir? Quer morar aqui?

SARDINHA

Sempre gostei de sardinha no espeto. Meu pai me amarrou. Meu tio me queimou.
O queimadinho que me toma o corpo da cabeça aos pés tem o mesmo cheiro. 
Grito bastante. Sempre tive um certo talento pra cantora lírica. Soprano.
Agora saquei porque estocaram gasolina no porão. 
Por acidente, eles também estão queimando.
Minha mãe nunca gostou que eu brincasse com fogo. Minha avó não deve ter falado isso pra eles. É fogo, né?

MÃOS FERIDAS



Levantou da cama, no mesmo horário de todos os dias. Tropeçou.
Não percebeu as duas mãos em que pisara. 
Mãos sangrando, que antes pertenceram à Sua. 
Quem a substituiria no recolher e limpeza das caveiras amontoadas perto do poço? 
Arranjaria um à-toa. Ao final, o tiraria da vida, pisaria em suas mãos e recomeçaria.
Porém, teria de se levantar. Estava difícil.
Alguém esmagava seus dedos das mãos com botinas de sola de ferro.

BICHO-PAPÃO


Debaixo da cama, todos os bichos-papão se acumulavam. 
Nenhum deles teve jamais coragem de sair de sob o leito e enfrentar a luz.
Afrodite fingia ter medo para que eles gozassem de uma elevada auto-estima.
Mas era só ela se postar diante dos olhos de algum, querendo bater um papo, o cujo gritava e se afundava mais ainda no escuro.
Teve uma ideia: se comunicaria através de cubos de letras.
Espalhou-os pelo quarto e esperou. Teve de fingir um grito de medo para que a primeira mão se atrevesse.
E como tremia essa mão. Nunca vira bicho-papão tão medroso.
Só o que queria era conversar. Talvez até passear. Fazer um piquenique. Ir à praia. 

FINADOS


Ela foi enterrada num dia de finados.
Na véspera, eu já a esperava no mausoléu, deitado num caixão arranhado por minhas unhas, por causa de eu ter sido enterrado vivo.

ESTOCADA


A primeira estocada eu ouvi.
A segunda ouvi e vi, pois, me atingiu de frente, apagando minha alma para sempre.