sábado, 9 de março de 2024

sexta-feira, 8 de março de 2024

ARAKA'EVE NUNCA MAIS

VERSÃO sexta-feira, 3 de março de 2017 ...ARAKA’AEVE NUNCA MAIS, inspirado em poema de Edgard Allan Poe - The Raven (O CORVO) ...Meia-noite? Não sei bem, era horário de verão. Folheava um livro raro, letra barroca e fininha. Meu corpo todo doído debruçava sobre a mesa. “Ouvi o som do interfone?” Estiquei-me. Dor na espinha. “Quem toca meu interfone?” Logo atiça a dor na espinha. Quem vem com seu nhenhenhém?”. Foi no início de setembro. Meu aniversário, eu lembro. Não paguei a luz. Velavam velas várias na cozinha. Esperava o sol, o dia. E a noite me tragava, A leitura me enjoava, só lembrava de Amelinha Ancorado no cais longo da memória...Amelinha !!! “Quem vem com o seu nhenhenhém?” A cortina na vidraça balançava, para horror Desta herdada arritmia que ao peito desavinha. Ouvi de novo o interfone por vagarosos segundos... “É cliente atrasada??? A fofura da vizinha? Como puxa meus lençóis! Ela é uma vizinha Bem versada em nhenhenhem”. Fui atender, animado, falei ainda de dentro: “ Queridinh...digo: Cida, não repare a casa minha”. Eu tava morto de sono, e o interfone não se ouvia. E cê não sabe, doído fiquei a tarde todinha.” E então eu abro a porta : eis a rua em breu, todinha ! Ninguém para nhenhenhém. E tremeu-me o coração num compasso acelerado : “ Mas que breu tão pavoroso, de um vazio que encaminha Espantos de dar artrose em caracóis de manilha.” Gritei no instante, inflamado, o nome de Amelinha. A minha voz ficou fria. Não me responde Amelinha... Nhenhenhém. Sem nhenhenhém. Logo ao reentrar em casa, de alma em peso, a vidraça... Ouço um som bem forte, cacos: caem as minhas glicínias. “Terei de verificar se não é algum ladrão. Ou será assombração? Resolver tudo num tiro é meta que me encaminha. - Ufa ufa, foi o vento sobre o vidro. M(eu), calminha. Da Natura o nhenhenhém.” Abro a vidraça e bem presto uma ave entra, esvoaça. Suas asas quebram tudo. Voam poeira e peninhas. “Essa ave tem tamanho... Não creio. Rasga-Mortalha ?!” Pousa de frente a meu quarto; as asas abre, se aninha. Se empoleira sobre a porta bem retinha, e se aninha. - “Araka’eve nhenhenhem.” Ela fala em Guarani? Por que me diz Nunca Mais? “Eu acho que cê precisa ser mais suave, Rasguinha. E ter mais educação quando for entrar nos lares. Me atrevo a uma pergunta, ó ave de ignomínia: Que nome lhe dá o Inferno? (No folclore, é Suindarinha).” - “Araka’eve nhenhenhem.” Senti o bafo mortal, ouvindo a frase de perto, Matutei no repetido nhenhem de sua falinha. Escolheu a minha porta, apoiou nela o garrão... E se eu disser ao mundo, dirão que amo a bebida De Baco e sou seu servente, dirão que sou da bebida... - “Araka’eve nhenhenhém.” Repetia sua frase, esperei uma outra fala, Só falava em guarani. Sorte ter avó indígena. Depois ficou lá, calada, tal qual estátua de penas. Disse a ela, em meu pensar: “sei que dessa porta minha Partirá, quais os amigos, fugidos da porta minha.” – “ Araka’eve nhenhenhém." Por que só diz uma frase? Foi pai dela que ensinou ? Deve tê-la educado em agouro e simpatias. Suindara teve um pai que era grande feiticeiro. Contou-me meu mar-avó à beira de rio-avô, Contou-me e eu dormia à beira do rio-avô... – “ Araka’eve nhenhenhém." Encostei - me na poltrona de courinho quebradiço, E pensei sobre a razão do agouro da mesquinha, Que findou tantos guerreiros em pavores renascidos. Não me rasgou a coruja, famosa por talhadinhas, Mas me agourou som cortante, n’alma rasa talhadinha: – “ Araka’eve nhenhenhém." Que era de Suindara quando vivia entre nós? Amava o filho de um Conde, mas não amava sozinha. Incestuosa, intratável, a esposa má do Conde Mandou matar Suindara, de um bruxo bela filha. Eliel, famoso bruxo, seu só tesouro – esta filha. – “ Araka’eve nhenhenhém." Com estátua de coruja enfeitaram o seu jazigo, Pois além de carpideira, era do povo a “mestrinha”. Eliel fez um feitiço, quando soube da tragédia. À filha tornou coruja, deu-lhe a força das Eríneas, E deu fim na atroz Condessa com a fúria das Eríneas... – “ Araka’eve nhenhenhém." Depois disso, quanta morte anunciou ela ao mundão. "Terá cansada de voar e agourar pelas vias? Qual a razão de aqui vir com seu olhar inflamado? Será só pra me lembrar de onde deixei Amelinha? Ó que saudades que tenho dos olhos meus de Amelinha... – “ Araka’eve nhenhenhém." Senti em dantesca treva do destino ossudo abraço. A casa foi encolhendo, qual acanhada rolinha, Então, bradei: “Vem, Mortalha, me joga logo no inferno !!! Não esqueço a morte cruel de minha casta Amelinha. Quando é que esquecerei da morte de Amelinha ?” – “ Araka’eve nhenhenhém." “Ó bela e sábia Suindara, haverá um lenitivo Que possa me ajudar? Responde, santa adivinha ! Tira estas manchas de sangue, hein, meiga corujinha ? Pode mudar-me, a que eu seja mais alegre companhia? Serei menos rejeitado sendo alegre companhia.” – “ Araka’eve nhenhenhém." “Cogito desenterrá-la co’ estas mãos impenitentes, Molhar seu corpo e amá-lo como Poe amou Virgínia, Eterna lua de mel melar com melaço-vida, E depois mais adoçar nossa alma coletiva. Quanta vez nós já cruzamos na inconsciência coletiva? – “ Araka’eve nhenhenhém." “Parta, agora, diaba/ruja, deixa em paz esta morada; Tava aqui bem sossegado, bem longe de suas garras, Que prendem a minha alma, fio de arremedo que encorpo. Finca de uma vez as garras, me corte da vida a linha! Ou saia já, bestial, pra outros em fins de linha !” – “ Araka’eve nhenhenhém." A ave fechou os olhos. Suas garras me nublaram. E o meu ser que é só tumulto foi pra imagens não-sanguíneas. ...Eis outra vez o interfone num contínuo tocar... Mas resto paralisado, no espelho enxergo Amelinha. Se alguém chegar ao espelho em que me enxergo Amelinha? – “ Araka’eve nhenhenhém."