Zé Poeta chegou no bar do Maciel,
pediu um conhaque, e sentou, despejando na mesa um monte de livros que comprara
por uma mixaria no sebo que tem ali do outro lado da avenida, do lado oposto
aos Supermercados Peralta.
Naquele dia, acordara com uma vontade
desesperada. Queria falar tudo que lhe desse na telha. Não aguentaria mais as
humilhações daquele grupelho de escritores bebedores de vinho e cheiradores de
pó do bar da outra esquina.
- Vendidos. Pilantras comerciantes de palavras!
O bar do Prato-Sujo….Como ele ganhou
esse apelido nem é bom falar pra não perder o apetite. O fato é que seu bar
estava cheio. Cheio não, cheíssimo.
- Veja, seu Prato-Sujo, eles chegaram ao
desplante de tentar vender a palavra poesia. Estavam lá com aquela maleta
invisível onde estava a palavra poesia. Estavam lá, juro. Dei por falta da
palavra poesia e fui atrás daqueles biltres.
Quando
fecharam os olhos por efeito de gargalhadas impossíveis de conter, voei até
eles e roubei-lhes a maleta. Foi por pouco.
Dirigiu-se aos frequentadores:
- Já ouviram falar em privatização de
palavras? Um absurdo. Um absurdo. Um ab, vocês sabem, surdo. Aí vem o cara,
posudo, sorridente e com a alma defeituosa dos que posam com damas absolutas de
olhos precisos como a lei da gravidade. Vem o cara, de terninho novo, com
terminologia jurídica dominante, e diz: para uma marca ser registrada a partir
de uma palavra dicionarizada é preciso que não tenha conexão semântica com o produto
e bla-bla-bla. Comigo não, figurão. Todo termo linguístico é necessário e de
uso livre.
Vejam
bem, o Comitê não sei o quê pegou três termos da língua pra seu uso. E sem
autorização daquela sigla que não me lembro.
Lembram
daquela empresa japonesa que registrou a palavra açai e depois saiu de banda
quando entendeu o lance errado?
Pois
é, também aquele ex-presidente que sancionou a Lei tal e coisa abriu as pernas
e se acharam no direito de lhes roubarem a palavra prepúcio.
Roubei
a maleta com a palavra poesia. Eles que venham me tirar.
Olhem
pra cá, sonados. Olhem pra cá. Leiam meus lábios. A COFA busca patentear 1200
palavras. Em seu nome, registrou a palavra FUCK, em razão do Campeonato Mundial.
Sei
que me tornei um criminoso procurado. Isso não altera minha consciência.
Estou
treinando Gramática Marcial. E estou ficando bom. Aconselho aos amantes da
língua a fazerem como eu. Pra começar, tentem roubar aquelas 1200 palavras.
Tentem ao menos.
Se
quiserem, antes, se prepararem em Gramática Marcial, conheço mestres de estilos
insuperáveis. Posso lhes apresentar.
Não
podemos ficar inermes. E, se nós, os viciados no pó da sintaxe, criarmos novas
palavras, temos de nos aferrar às mesmas, senão vocês já sabem. Os
aproveitadores estão por aí. São abusadores, estupradores de palavras. Ladrões
e estupradores.
Dirigiu-se a Prato:
A
palavra poesia está aqui, seu Prato-Sujo. Mas não é minha, é nossa. Dou cópia
pra quem me demonstre sinceridade e amor às palavras.
Fora do bar, já lhe esperava a perua do
Hospício pra pegar mais um fugido.
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