sábado, 23 de março de 2013

ZÉ POETA E O ROUBO DE PALAVRAS (inspirado em Privatização de Palavras materia da revista LINGUA PORTUGUESA)


Zé Poeta chegou no bar do Maciel, pediu um conhaque, e sentou, despejando na mesa um monte de livros que comprara por uma mixaria no sebo que tem ali do outro lado da avenida, do lado oposto aos Supermercados Peralta.

Naquele dia, acordara com uma vontade desesperada. Queria falar tudo que lhe desse na telha. Não aguentaria mais as humilhações daquele grupelho de escritores bebedores de vinho e cheiradores de pó do bar da outra esquina.

- Vendidos. Pilantras comerciantes de palavras!

O bar do Prato-Sujo….Como ele ganhou esse apelido nem é bom falar pra não perder o apetite. O fato é que seu bar estava cheio. Cheio não, cheíssimo.

 - Veja, seu Prato-Sujo, eles chegaram ao desplante de tentar vender a palavra poesia. Estavam lá com aquela maleta invisível onde estava a palavra poesia. Estavam lá, juro. Dei por falta da palavra poesia e fui atrás daqueles biltres.

Quando fecharam os olhos por efeito de gargalhadas impossíveis de conter, voei até eles e roubei-lhes a maleta. Foi por pouco.

Dirigiu-se aos frequentadores:

 - Já ouviram falar em privatização de palavras? Um absurdo. Um absurdo. Um ab, vocês sabem, surdo. Aí vem o cara, posudo, sorridente e com a alma defeituosa dos que posam com damas absolutas de olhos precisos como a lei da gravidade. Vem o cara, de terninho novo, com terminologia jurídica dominante, e diz: para uma marca ser registrada a partir de uma palavra dicionarizada é preciso que não tenha conexão semântica com o produto e bla-bla-bla. Comigo não, figurão. Todo termo linguístico é necessário e de uso livre.

Vejam bem, o Comitê não sei o quê pegou três termos da língua pra seu uso. E sem autorização daquela sigla que não me lembro.

Lembram daquela empresa japonesa que registrou a palavra açai e depois saiu de banda quando entendeu o lance errado?

Pois é, também aquele ex-presidente que sancionou a Lei tal e coisa abriu as pernas e se acharam no direito de lhes roubarem a palavra prepúcio.

Roubei a maleta com a palavra poesia. Eles que venham me tirar.

Olhem pra cá, sonados. Olhem pra cá. Leiam meus lábios. A COFA busca patentear 1200 palavras. Em seu nome, registrou a palavra FUCK, em razão do Campeonato Mundial.

Sei que me tornei um criminoso procurado. Isso não altera minha consciência.

Estou treinando Gramática Marcial. E estou ficando bom. Aconselho aos amantes da língua a fazerem como eu. Pra começar, tentem roubar aquelas 1200 palavras. Tentem ao menos.

Se quiserem, antes, se prepararem em Gramática Marcial, conheço mestres de estilos insuperáveis. Posso lhes apresentar.

Não podemos ficar inermes. E, se nós, os viciados no pó da sintaxe, criarmos novas palavras, temos de nos aferrar às mesmas, senão vocês já sabem. Os aproveitadores estão por aí. São abusadores, estupradores de palavras. Ladrões e estupradores.

Dirigiu-se a Prato:

A palavra poesia está aqui, seu Prato-Sujo. Mas não é minha, é nossa. Dou cópia pra quem me demonstre sinceridade e amor às palavras.

Fora do bar, já lhe esperava a perua do Hospício pra pegar mais um fugido.



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