segunda-feira, 4 de agosto de 2014

ASPECTO

Mal acordava, ia pro computador.
Ouvia músicas, compartilhava doideiras, curtia caduquices, entrava em campanhas a favor da humanidade, clamava contra os extirpadores de clítoris ou clitóris, contra os que enterravam mulheres, contra os que maltratavam animais, contra os que eram contra o vereador Gereboão, contra os que odiavam café, os que odiavam limonada, os que gostavam de comerciais antigos, os que eram contra a guerra de papel na escola da esquina, aquela que recebeu o nome em homenagem àquela atriz da antiga novela das oito, bem antiga mesmo.
Dera um jeito de comprar um penico e adaptar à cadeira. Fizera um buraco no meio da cadeira.
Substituíra seu alimento sólido por pílulas de polivitamínicos.
Adaptara seus olhos à tela do computador. Não dormia. Enchia-se de pílulas de cafeína.
Sua aparência, nesses vinte anos de voracidade diante do PC mudara de aspecto aos poucos.
Hoje, não identificamos muito bem quem é ele e quem é a máquina. E nem se ele é um aspecto de nós.

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