segunda-feira, 25 de agosto de 2014

VIAGEM ENCANTADA



Ela estava ali, naquele lugar, sozinha, sorrindo, uma bela moça com um vestido simples, as coxas à mostra, cabelos pretos, olhos grandes, seios médios, colar de contas coloridas, brincos de estrela, um cheiro de....um cheiro de...Por que a única expressão que lhe ocorria era....um cheiro de....morte?
A idade dela lembrou a Armindo Poento a que tinha Ju, sua mais adorada, quando morreu....Júlia, aquela com a qual se juntara de corpo e alma....um pouco menos de alma e....o fato é que ele terminara com ela, indo direto ao assunto, empurrando-a num poço abandonado, que acabou sendo soterrado, para sua sorte, numa enchente inesperada.
Aconteceu naquela cidadezinha do Sul, cujo nome é tão sumidinho que a gente acaba esquecendo. 
Ninguém esclareceu o desaparecimento da moça.
Ele fora, depois disso, para o Centro-Oeste. Depois, para o Sudeste. Passado um tempo, recomeçou a beber. E quando bebia era muito agressivo...mas só com os mais fracos que ele. Gostava mesmo era de maltratar as mulheres que namorava. 
Passado algum tempo, ingressou numa Igreja, mais com o intuito de impressionar a filha do pastor Ubiratã do que de abraçar uma fé sincera. Até conseguiu acalmar seus nervos, mas não obteve a prenda perseguida. Um primo dela, o Agenor, foi mais rápido.
Começou então, por inveja, e por maldade, a tramar a morte do tal primo. Nessa ocasião, começou a cheirar mais. A cheirar e a se encher de maconha. De uma maneira descontrolada. 
O interessante é que achavam que quando seus olhos estavam vermelhos e ele tinha aquela larica era o sinal de que o Espírito Santo estava dentro de si.
O primo da moça tinha uma fraqueza no passado. Quando Armindo descobriu, tratou de procurar um botãozinho que a reativasse.
Numa festa da igreja, em que comemoravam o primeiro ano de fundação da mesma, Armindo se aproximou pela primeira vez do outro. Ocorreu que em três anos já estavam carne e unha. Melhores amigos.
E foi justamente com três anos dessa amizade que Agenor....morreu. Fora atravessar a rua e um caminhão - "push" - atropelou-o. Foi por acaso, fugindo ao planejamento do "amigo".
Mas....Ju, por puro desgosto, também terminou morrendo e Armindo, coitado, ficou na mão.
Ele gozava de uma consideração muito grande na comunidade. Era um excelente profissional das artes gráficas e cenográficas. Tinha até um enorme ateliê no centro. 
Aos poucos, fora se afastando da igreja e deixando de lado seu comportamento sádico. A desculpa que dava para o auto-isolamento era sua entrega à profissão. E realmente se enfiou no trabalho. Cinco anos e pouco sem tirar férias.
Resolveu então, certo dia de natal, tirar um final de semana para viajar até Aquele Lugar. Aquele Lugar havia sido uma Sociedade Alternativa nos anos sessenta. Armindo pegou um ônibus e foi. Demorou umas seis horas a viagem. Quando divisou uma placa onde estava escrito "Aquele Lugar a 200 metros", ficou aliviado.
Todos falavam desse tal lugar onde os carros subiam sozinhos as ladeiras, sem precisar de ligar o motor; comentavam das casas em que se ouviam alienígenas fumando baseado, viam-se discos voadores do tamanho de moscas, enxergavam-se centauros viciados em LSD, e hidras sem-vergonhas que riam sem parar dos anjos-palhaços.
E o mais fabuloso mistério estava naquela caverna, na entrada da cidade.
No dia do show do Grande Cantor, que começaria logo mais, nada lhe era mais importante do que aquela moça, que sorria sem parar, tão linda, tão linda, tão....Quando olhou-a, uma paixão tão ardente lhe pegou que tomou uma decisão: não voltaria mais pra sua cidade. Ali seria o seu paraíso de amor.
Quando chegara n'Aquele Lugar, tentou tirar proveito de tudo, principalmente, gostava de observar as pessoas dos bares e inferninhos, mas sempre calado, pois tinha dificuldade de comunicação com as pessoas.
Foi àquela caverna impulsionado por curiosidade. Diziam que ali muita gente morreu de combustão espontânea. Essa história lhe atraiu. E....na entrada da caverna, encontrara aquela moça. Como ela dava risada. Sem parar. Era muito estranho. Devia estar cheia de erva. Mas não devia ser maconha. Os efeitos ridentes eram quase sobre-humanos.
Ele perguntou-lhe: - Você vive aqui? Ou tá de visita como eu?
Ela: - Não, eu morri há seis meses isolada nessa caverna. 
- Mo...morreu?
- Sim. Mo...morri. E desde que morri, gosto de presenciar acidentes. Fiz questão de estar presente no seu acidente de ônibus. Lembra? Você morreu nele.
Ele gaguejou: - Ju...Ju...Júlia?
- Que Júlia o quê? Sou apenas uma morta que gosta de ver os corpos morrendo e as almas desprendendo. Um pequeno vício, sabe. Dá mais barato que maconha. Você devia experimentar.
Bem, o fato é quase ele morreu uma segunda vez. Foi assim mesmo. Foi. De outra forma não. Tenho boa memória. Claro.

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