Estou besta com
o que me contaram, louro de merda! Besta! Bestapacralho! Tou com a minha cara
no chão! A cara, a careta, tarada por saco rugoso! Ela vive me pondo chifre de enfeite!
Por isso é que eu digo. Mulher como a minha......Deixa eu coçar aqui. Essa
frieira é jogo duro. Não me abandona.
Volta a atenção pra fora. Um
ator vizinho, no alto de um prédio, ensaia frases de Nelson Rodrigues.
(ATOR: Deus só
freqüenta igreja vazia.)
Esse ator ai de
cima, José, é um otário que sonha com o Grande Irmão. Vive repetindo Nelson. O
grande Nelson.
Meu avô
conheceu o tal. Os dois já traçaram juntos por sacanagem a mesma inflável
mulher. Sabia, sabia? Pois fique sabendo. Os dois andaram também pegando aquela
uma que se findou agora. Aquela que mudou de sexo. Era homem ficou mulher cheia
de silicone industrial, não é? Droga levou ela, não foi? Não, não, pesada não,
coca não, maconha não. Foi barbitúrico. Um monte ela pôs pra dentro. É certo
isso como dois e três são vinte e três.
Sobre o fato da
mulher que tirei da zona e que me chifra estou pasmado, quase biruta de tal
inesperado. Sempre achei ela de frio nariz honesto. Errado? Fazer o quê?
Fui à igreja do
Padre daqui. O Belmiro. É um diferente. Sempre em escuro bem vestido. Coisa de
marca. Quase
Black Metal. E a igreja do Padre Belmiro
está sempre cheia. Entende?
Se ele não
fosse padre, eu dava-lhe um tiro na boca! Ela minha mulher que tirei da zona do
porto, com cicatrizes que um açougueiro fez nela.
...Hum, quem me
avisou? O merduncho do FDP. Eu encontrei ele quando tava fazendo xixi. Quase
mijei no seu pé. Ele já me aprontou muito. Não é que o diacho virou diácono?
Ele não era viado? Vivia fazendo xixi de mentira só pra ver o viril dos
alheios. E pensar que namorou minha irmã, um pouco antes de virar! A gente
quando pequeno apostava esguicho de esperma à distância. Tinha troca-troca até,
mas tudo na moral de homem.
Mas voltando ao
padre, eita bicho falso feito papel
emitido por banco de fachada.
Um sem-vergonha
em que mais não confio. Perfil de criminoso sexual. É o que penso. Não
admito....
(ATOR:Não admito
censura nem de Jesus Cristo.)
Não admito. Esse porra desse ator está nos
ouvindo? Acho que não, né? É que às vezes, coincide. O Nelson que era profeta,
isto sim.
(ATOR:Pois toda
mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.)
Isso é batata,
eu bato nessa amante vira-lata lambedora de bata que me bota chifre baita. Além
do mais, a desejo doentiamente. Mas não sou infiel.
(ATOR:E amar é ser fiel a quem nos trai.)
Concorda? Mesmo
que seja em pensamento e com um padre, desconformo. E o senhor?
(ATOR:Dinheiro
compra tudo, até amor verdadeiro.)
.....Olha, eu
agüento o peso das galhas! Sei que amor verdadeiro não é só sexo.
(ATOR:Sexo é
para operário.)
Certo? Concorda? O
que dou pra ela comer só eu dou. Outro não. Principalmente, ele.
(ATOR:O homem
começa a morrer na sua primeira experiência sexual.)
Esse ator de vez em quando atrapalha. Dou-lhe
ainda uma mijada no cu....Depois, ao final.
(ATOR:Tarado é toda
pessoa normal pega em flagrante.)
Entendeu?... Minha
mania são as dentadas molhadinhas de Guiomar. E isso de maneira normalíssima.
Quando nos conhecemos, ela me lambia a calvície e uivava, com fúria de desejo.
E nos mordíamos a torto e a direito, da cabeça ao rabo. Um dia posso pedir pra
ela te morder. Quer?
(ATOR:Sem
dentada, não há amor possível.)
Em nossa cama, a metafísica é odontológica.
( ATOR:A cama é
um móvel metafísico.)
O que me dói
mais é que ela morde outro como a mim. Dizem que a mãe dela, aquela cadela, era
assim também. Mordia todos os amantes. Um era ginecologista. Quase foi
veterinário. Dizem pra mim os mais velhos que o zebu vivia exibindo as
mordidas...
(ATOR:Todo
ginecologista devia ser casto.
Antigamente, a mulher que ia ao
ginecologista sentia-se, ela própria, uma adúltera. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça.
Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada
ombro...)
Bem, quer
dizer. Pensando melhor, minha mulher ia subir pelas paredes se recebesse comida
de um veterinário. Não estou sendo coerente.
Mas, olha. Escuta.
(ATOR:Toda
coerência é no mínimo suspeita.)
E eu não tenho
certeza de nada. Contou pra mim um salta-pocinhas, mas eu não vi o ato.
(ATOR:O marido
devia ser o último a saber. Aliás, o
marido não deve saber nunca. )
A gente só é
isso quando sabe, quando a gente vê, não é? Mas eu, por enquanto, não vi. Eu
duvido do ato em si.
(ATOR:A dúvida é a
autora das insônias mais cruéis.)
Preferia que não me contassem. Não tenho amigo. Um amigo não inferniza a gente assim. (ATOR:Amigo
é um momento de eternidade. O que
atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o
Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro. Quem não é canalha na véspera, é no dia seguinte. Hoje, é muito difícil não ser canalha.)
Certa ocasião,
ouvi o Norato Ratono, esse ator filho de quenga puta que vou pegar já, já, esse
zebu, falar, e concordei. Disse que desistia da vida eterna. Por causa da
pureza fedorenta dos mais santos, geralmente versados na politicalha da cidade.
Ratono Norato diz-que preferia ser um canalha abjeto, capaz das bacanais mais
horrendas..
(ATOR:A pressão da
vida atual trabalha para a nossa canalhice pessoal e coletiva.)
Não é, hein?
Fala. Olha, até menino é canalha, atualmente. Um dia, abri a porta do quarto e
flagrei um cachorro entalado nela. E um menino olhando com sarro. Mas ela não
pode ter nenê. É uma cadela castrada, pastor. Uma mulher, só que nasceu de
quatro patas.
Agora, ela
viciou na ração que o Padre Belmiro dá. Pode isso. Por isso quero da sua igreja
oração poderosa anticatólica anti-Belmiro. Tou com nojo....Ai, Zezinho, acho
que vou vomitar...
(ATOR:Um filho,
numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.)
Foi pouquinho. Depois, eu limpo. Só uma
pastinha de nada, né? Não tou doente não. Devo ter comido alguma merda por aí.
(ATOR:Certas épocas
são doentes mentais, como a nossa.)
Talvez eu
devesse procurar a morte.
(ATOR:Deus prefere
os suicidas.)
Mas eu não
consigo. Ta escutando meu coração, Zezinho? Este desgraçado aqui bate por uma
canina infiel....
(ATOR:Todo desejo é vil aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhh!)
Vai pro teatro,
seu merda! Que baque é esse? Deixa ver da janela o que ess’ator besta tá
fazendo!
Lá embaixo, como um desenho animado, um lago
vermelho com olhos e bolhas na superfície.
Ih, ele caiu.
Quem mandou. Ler texto no ponto mais alto do prédio.
O papagaio, chamado por ele carinhosamente de Louro José
ou Zezinho, grita com seu tom contundente e claro.
-
Corno! Corno! Corno!
Altamirando
dá-lhe um chute, como sempre.
Beberica um vinho. Pega o livro que estava lendo, com
frases de Nelson Rodrigues:
“O amor entre
marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de
seus próprios filhos”,
“Qualquer
indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”,
“A beleza interessa nos primeiros
quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual”,
“Com sorte, você atravessa o
mundo, sem sorte, você não atravessa a rua”,
“Qualquer amor
há de sofrer uma perseguição assassina”,
“Somos impotentes do sentimento e
não perdoamos o amor alheio. Por isso, não deixe ninguém saber que você ama”.
Ele acaba dormindo, engatando de primeira num sonho, onde
sonha que acorda levando um chute do papagaio, que no sonho fala mais de mil
palavras. A primeira é:
- Estou besta! Estou besta!
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