sábado, 25 de agosto de 2012

CACHAÇA BOM DE PAPO


Mariano era o motivo das conversas no bar do Salim Portuga, um dos mais lotados ali no Jardim 31 de Março. Tinha ele uns 50 anos, cabelos de deserto, descuidados fios num terreno craniano calvo e vermelho, desde há muito. 
O português dizia que antes ele era saudável como um touro, dançarino exímio, piadista, bebedor, sim, mas não daqueles escandalosos.
Enfatizava o português: 
- No passado, era um homem de pele queimada, jeito de lutador de boxe, ninguém folgava com ele.

- Que fedor tu tá!
-Vai te foder, ó Pouca-Sombra!
O Tá-Raso-Tá-Fundo, aquele puxa-saco, diz que Mariano costumava defender as mulheres e os frágeis só na frente dos outros. 
-Diz-que ele torturava e abusava de uma sobrinha. 
-Mentira! - dizia o Careca. - Homem bão tava ali!

- Rapa, um dia deram parte dele na Delegacia por tirar o pau pra fora pras mulheres que passavam na frente da casa dele!
- Mentira! - dizia o Careca que, na juventude, costumava tomar as namoradas de Mariano. Hoje, dava umas beliscadinhas na irmã do amigo.
Outros, como o Cachaça, diziam que Mariano era justo mas cobrava por fora. O Barriga mesmo já tivera que pagar pra ele dar surra num sujo aí.
Que tinha força, tinha. Quantas vezes, aleijara alguns do bairro, deixando-os encostados por um bom tempo, de saco roxo ou de chifre furado.
Hoje, não é nem uma pequena sombra do que era. Não tem mais motivos para se alegrar. 
O dia todo fica pendurado no muro, batendo os braços como asas. Desce quando a fome aperta. 
O Cachaça, um malandro velho metido a poeta e com ambições políticas, porém, bom caráter e amigo da moçada, jura que achou um diário com a história do Mariano e a Galinha Austríaca.

Aliás, ele já repetiu a história do Mariano umas mil vezes. E sempre acrescentava um pouco.
Vez em quando, manda todo mundo do Bar do Tião sentar, tira um caderno velho onde ele diz que copiou o diário, e começa a contar, com uma dose de invenção, pois, nisso ele é bom.

Tinha o diário todo na cabeça, falava.
Da última vez, como tava passando uma gostosa, uma tal que Cachaça já cercava há muito tempo, a filha do....como é, mesmo? Bom, os leitores me perdoem. Me ....Não, não, já me lembrei...Me esqueci de novo. 
Cachaça esperou ela dobrar a esquina. Na verdade, todos esperaram ela dobrar a esquina. A beleza de uma Vênus madura, em câmera lenta, sorriso cândido, mas alguém lá no bar queria ver o sorriso? Nada.. Todos queriam ver o ondear daquele oceano de bela carne bem batida pelo tempo.
A Vênus voltara a morar na casa do pai, o Seo....Morais! Lembrei! Tinha seis filhos ela, mas sua beleza só fazia era crescer a olhos vistos e revistos!

O Cachaça se irritou:
-Bem, gente, vamos olhar pra mim, por favor. Aquela ali ainda vai ser minha. Não é pro bico de vocês não.
O Deixa-que-Eu-Chupo se manifestou:
-Que é isso, rapá. Ela nem sabe quem é tu. Eu conheço o velho Morais. Se tu se aproximar, leva um tiro de ver Jesus sacudindo as bala do manto.
Todo mundo do bar gargalhou.
-Chega de rir às minhas custas. Vocês não querem ouvir mais, né? Então, dá licença, que eu vou m'embora..
- Calma, ó raios! Parece até que tu não conhece a turma...
-Tá bom, tá bom. Mas traz aí uma com cambuci pra "mim" lembrar melhor.
O Salim, que era chamado de Portuga, trouxe a bebida. Cachaça meteu goela abaixo, tirou o caderninho do bolso e começou a ler o que ele chamava de diário de Mariano:
“Mariano era o motivo das conversas no bar do Salim.......

Ninguém notou que era personagem do Diário de Mariano.
Cachaça vai metendo o caderninho no bolso, enquanto fala pros colegas:
- E foi isso. Com agilidade de um galo, Mariano pulou pra cima do muro e cacarejou de amor. Sua esposa nem desconfiou do motivo da loucura. Inda guentou uns tempos com o traste. Afinal, era pai do filho que iria nascer. Depois, se mandou.
O careca quase chorando:
- Cada vez que tu conta, eu me sinto parte dessa história....

- Não sei não, viu, Careca, mas tu chora demais, home. Se continuar assim, tu não fica mais na nossa turma. Parece um baitola...
Careca ficou sério. Se levantou pronto pruma briga.
- Um o quê? Se me chamá de baitola de novo te quebro as fuça.Eu num sou baitola, sou viado, e com orgulho.
Nisso, uma moça passa, olha, sorri e pisca pra Cachaça. Ele não resiste. No entanto, quando vai saindo, todo lampeiro, dá de cara com um soco de Mike Tyson no quengo...A mulher batia forte. Pegou ele pelas “zurebas”e foram pra casa. 

- Pera aí, Zuleide, eu explico....
- Em casa.
O casal passou por Mariano, que estava lá, em cima do muro, a amargar a saudade de um amor súbito e não consumado.

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