Os dois nus, marido e mulher.
Acocoram-se, cavando no canto mais sombrio do cemitério. Uma sombra lhes interpela.
- Gente, que é
isso?
- Somos duas
criaturas desnudadas de tudo.
- E seus
filhos?
Nenhuma resposta,
apenas uma contorção de dor e um cavar mais forçado.
- E seus
parentes?
Com raiva, pelo
que lhes fizera lembrar, jogaram terra na sombra, que, por ser sombra, não foi
atingida, claro.
O homem
manifestou-se.
- Todos que
você citou foram tirados de nós, arrebatados pelo desespero da última chuva.
- Não há
esperança?
- A última
enterramos ontem perto daqui.
- Qual o nome
de vocês?
- Não temos
mais.
- Nem endereço,
conta de luz, de água?
- Você está
falando uma língua que não conhecemos faz muito.
- Nunca tiveram
renda, holerite? De onde vieram? Onde pretendem chegar?
- Quê?
- Então, sou
obrigado a despejá-los daqui. Só sombras e criaturas que têm referência, valor,
ponto de partida ou chegada, aqui podem permanecer.
Os dois se
retiram, nus como vieram, mãos escalavradas de tanto cavarem próprios túmulos.
No monte
próximo um anjo, o manipulador da sombra, fuma um cigarro, cujas cinzas caem em
seu pé direito.
- Caralho!
Joga o cigarro
fora e, estendendo as asas esfumaçadas, segue o casal que já vai longe.
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