segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A PAIXÃO DO ANDRÓIDE




Coça os olhos, após acordar com dor no supercondutor, comichão nos fusos. 


Acha as chinelas de amianto e dirige-se ao banheiro. Cheio de xixi? Ou somente sensação elétrica? Ou reflexos da teoria do campo magnético nas partículas XYZ?


Olha o calendário: ano de 15.500 d.Fim do Mundo, 05 de maio.

Marcou com traficantes do virtual. Deixou de fazer coisas importantes por causa disso. 

Estava fazendo estudos para um salto androideano, ligando a evolução das criaturas artificiais para seus mitos antigos - os homens.

Seus pensamentos criativos seriam captados pela Central?

Imediatamente, chegam os agentes do governo robótico e trocam seus chips de fibra de carbono. 

Mas mesmo pinças precisas não removem seu percentual de autonomia. Descobriu sozinho. Não passou isso pra eles.

Os outros andróides sequer suspeitavam de sua genialidade, de seu desejo oculto de ser qual os humanos que existiam na Terra em 2000 d.C.

No banheiro que construíra para si simulava os hábitos humanos e aumentava seu percentual de inteligência (i)lógica.

Ao repetir espasmos, caretas, intentava reconstituir o segredo da autonomia humana ao simular uma cagada ou mijada.

Estudara nos arquivos ocultos o hábito que tinham certos humanos de levar jornais e revistas ao banheiro.

Ainda não cogitava o poder central de desativá-lo de vez. Subestimavam-no. Ia então sendo fortalecido em sua individuação, embora trocassem seus nanochips.

O segredo da explosão criativa de seu cérebro positrônico e de sua verve não estavam nos nanochips, porém.

Há alguns anos, viera notando a mudança em sua pele. Estava adquirindo a contextura da pele dos homens que existiram.

Ele desconfiava que estavam fazendo experiências com ele.

Será que sua autonomia fora determinada pelo Conselho?

Na certa, sabiam que ele fazia experiências, simulando profundidades existenciais humanas lendo jornais de outro século e fingindo massagens no peru artificial excitado.

Deviam saber de suas plantas também. Da canabis. Do coentro. Do manjericão. Da sálvia. Saberiam também que tinha feito com sementes genéticas arcaicas um pé de mulher?

Um pé de mulher provocava êxtases em determinada época dos homens.  Noutra, eles não estavam nem aí pras extremidades.

Ele até compusera diálogos, tentando chegar ao significado profundo das extremidades de uma mulher.

Achara no mercado negro dos andróides imperfeitos do leste coisas que jamais sonhara. As unhas, por exemplo, que deram a ele oportunidade de extrair as sementes genéticas arcaicas.

Comparava constantemente o cheiro do pé que fizera com o pé de uma andróide que possuíra.

Faltava o fedor substancial. O cheiro demasiado limpo das andróides lhe causava engulhos.

Estaria ele se tornando um homem? O fato é que ele estava com vontade de dar uma cagada homérica.


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