sábado, 30 de novembro de 2013

CONFLITO

A porta bate. Repórter na TV relembra Getúlio Vargas lendo famosa Carta-Testamento. Baixinho, música de Beethoven.
Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa.
Conflito doméstico. Pega a outra pelo braço.
-Por que você é tão bonita? Vi como a fulana te olhava. E tu dando confiança.
-Para de me sufocar!
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo.
 A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Desvencilha sem dificuldades.
- Quer saber. Tou cheia. A gota d’água. Nossa árvore já deu fruto. E morreu. Hora do testamento.
Tinha mais beleza. Menos músculos porém. Leva um safanão em câmera lenta. A outra:
- Bate mais.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
A vítima, mão na cintura, coxas finas, bufando, estalando mandíbulas. Língua sangrando.
- O quê?
Uma faca perto. Servira pro bolo. Melada de chocolate. Ao lado de um consolo.
- O que o quê?
Olhos fuzilando. Punho direito se ajeitando para o porte da lâmina.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.
Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
- Ah, se eu pudesse prever.
- Esse mundo é mesmo assim. Porca magra não tem rim.
- Você deu o bote, eu caí.
- Você não. Eu sim.
- Agora, fica aí, espalhando o sacramento.
- Um bagulho, graças a ti.
No chão, uma revista erótica mostra uma imagem de Calígula fazendo cuspindo no pênis do seu cavalo.
- Me reduziu a nada.
- Peço o penico e entrego o disco do Pitchulinha. Tchau.
- Espera. Eu vos dei minha vida.
- Agora, vos ofereço a minha morte. Morreram meus sonhos contigo.
Há muito, a relação perdeu o brilho, rompeu as comportas, arrebentou o cabaço.
A outra não aguardou.
- Depois, volto pra pegar as coisas.
-Não sai assim, não. Desliga a porra dessa TV!
Assumiram sua condição lésbica, enfrentando a todos. Mas foi indo, foi indo, gelou. O esfriamento foi paulatino. Surgiram ciclones, furacões, as lavas do vulcão do desinteresse tomaram tudo.
Rosilene ficara sem gosto para Jovenilda.
Jovenilda, na janela, esquece com facilidade. Flerta com a empregada de buço fino e pernas grossas, na sua medida.
Ela não percebe o avião desgovernado que avança na direção do seu apartamento.
Beethoven: TAM TAM TAM TAM.

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